Feiras temáticas ocupam o Centro

24 10 2009

Por Cesar Santos e Paulo Lima

sel_rep_especialCom o intuito de restaurar o prestígio do centro da cidade, que há anos padece de abandono e favelização, o projeto Ocupação Cultural incita a participação da população. Desde o dia 28 de agosto, expositores que fazem parte das tradicionais feiras da República, Trianon-Masp, Liberdade e Bexiga, junto a artistas ligados a organizações, são convidados pela Secretaria das Subprefeituras, a partir da Subprefeitura Sé, a participar de feiras temáticas. O evento ocorre todas as sextas-feiras, das 8h às 18h, em logradouros simbólicos da região central.

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Poucos meses se passaram desde o início do projeto. Após a instalação de diversos palcos nas praças da Sé e do Patriarca, nos largos São Francisco e São Bento e no Pateo do Colégio, a agitação convulsa e dispersa ao redor dos prédios depredados tem dado lugar a aglomerações em torno de espetáculos de música, teatro, dança e outras atrações, todas gratuitas. “Iniciativas como essa atraem um público diferenciado, além daquele que trabalha na região. E é justamente essa diversidade que tem ajudado no processo de revitalização e ocupação do Centro, que já é um processo irreversível”, declarou Andrea Matarazzo, secretário das Subprefeituras.

DSC01105Os visitantes em sua maioria têm avaliado as feiras temáticas com entusiasmo, elogiando a proposta de amparar a região, o investimento em cultura e a escolha de locais acessíveis.  “Eu fico feliz em ver nossos representantes dando a devida atenção a essa região, ao invés de só ligar para a Paulista e a Berrini. O local é ideal. Além de sempre ter muita gente, é um pólo cutural e histórico e fica perto de estações de metrô”, analisa a publicitária Tereza Duarte, de 35 anos. No entanto, na hora de formar opiniões, o péssimo estigma do local também é levado em conta. “O Centro é sujo, feio e perigoso. Não sei se essas feirinhas vão dar certo”, dispara o comerciante Carlos Soares, de 42 anos.

As feiras das praças do Patriarca e da Sé, as maiores, possuem no total 175 expositores que também participam de outras feiras de artesanato mais 175 artistas convidados de associações ligadas aos temas. Cada uma tem o seu diferencial. A Praça do Patriarca sedia a feira abaixo de sua famosa marquise, contornada majoritariamente por peças variadas de artes plásticas. Já a Praça da Sé abriga uma feira bem mais popular e movimentada, que tem como pano de fundo a imponente Catedral, onde são vendidos itens de artesanato.

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Dois meses versus duas décadas

DSC01095Enquanto as feirinhas tradicionais completaram mais de duas décadas, estas recentes tem pouco além de dois meses, e a experiência tem sido válida para apontar diferenças importantes entre ambas. Dentro das novas, falta uma organização efetiva dos empreendedores, algo que não ocorre desde o posicionamento das barracas e da disposição dos objetos apresentados em si, até em garantir a segurança dos locais expostos. Essa é uma carência da qual as mais antigas já não sofrem mais e, portanto, torna possível que sejam melhor frequentadas e não percam em vendas. “Lá na Liberdade tem coisa pra comer. A gente até vende aqui, mas no MASP sai muito mais. Domingo, quem vai nessas feiras  mais tradicionais é o povo que sai pra passear. Aqui, às sextas, é o povo que trabalha.”, explica Tadeu Benedito, expositor, a respeito da sua insatisfação com a feira da Praça do Patriarca.

No quesito do zelo contra a violência, como os cuidados ainda têm sido primários, os riscos podem dobrar as razões de descontentamento. “Reconheço que o lugar aonde estou é péssimo. Tinha um evangélico fazendo barulho, que estava ofendendo as pessoas e inclusive à mim.  Até que ele foi preso. Deus ouviu minhas preces!”, brinca Maria Eliza, 38 anos, sobre um religioso polêmico que só fora preso porque os policiais ao redor precisavam de que alguém reclamasse para, enfim, intervir na situação.

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Maria é responsável por confeccionar, com a mãe, fantoches e marionetes para grupos de teatro e educadores infantis. Juntas, elas puderam expôr seus produtos na principiante feira da Praça da Sé e comparar com os nove anos vividos de demonstrações na consolidada feira da Liberdade. A novidade não está valendo a pena para a profissional. “Apesar de ter muito movimento, tem pouco cliente. Já a Liberdade é um ponto turístico, com um público maior e específico, sendo só de turistas mesmo. Tem todo um histórico do bairro.”

Quando reencontradas, na feira da Liberdade, Maria Eliza e sua mãe estavam visivelmente descontraídas. O desânimo demonstrado na Praça da Sé cedeu lugar a uma surpreendente euforia, como se pode perceber no desabafo da dupla: “Aqui, a gente se sente em casa!”

 

 

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O legado cultural das feiras mais antigas

A cada barraquinha, uma nova forma de aprendizado se estende para os visitantes das mais conceituadas feiras paulistanas. Dentre tudo o que é posto à vista dos observadores, ao longo das tendas enfileiradas, elas possuem peças cujo valor é inestimável, por serem notavelmente adquiridas de tempos remotos ou mesmo de outras nações. Seus donos, colecionadores, também carregam consigo trajetórias pessoais singulares e que remetem a épocas simbólicas. Aspectos que reiteram a relevância histórica das feiras tradicionais.

A Feira de Antiguidades e Artes do MASP e a Feira da Liberdade são os dois maiores expoentes deste cenário. Muitas vezes, a mera curiosidade em perguntar por mais informações sobre algo determinado assegura que uma pessoa saia dele com a sensação de ter obtido uma aula de História, tamanho o nível de conhecimento e envolvimento de quem apresenta suas raridades aos passantes.

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Com trinta anos de existência, a feira do Museu de Arte de São Paulo conta com pessoas como o expositor de moedas Antoniel Santos, de 62 anos, que herdou a coleção do pai aos oito. Policial civil, mantem uma tenda cheia de moedas de todo o globo, adquiridas por meio de seus contatos. A mais antiga de todas ocupa posição de destaque diante as outras, pois é datada de 222 anos A. C.   Mesmo para quem lida com dinheiro todo os dias, Antoniel aprende com o trabalho. “A capacidade financeira não é proporcional ao conhecimento de uma pessoa.”

 

 

 

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Se as moedas representam uma possibilidade de se conhecer o passado, há uma outra via igualmente inusitada logo ao lado: os brinquedos da barraca de Francisco Pacheco. Este excêntrico senhor atraí, aos sábados e domingos, olhares curiosos à sua barraca. Vestido inteiramente com roupas antigas, ele procura chamar atenção para a história dos objetos de brincar. Possui um museu itinerante sobre o tema, que já circulou todo o país e constando de objetos com mais de 700 milhões de anos. “Tenho brinquedos que foram achados em escavação, como no Egito ou Marrocos. Vindos de sítios arqueológicos.”, afirma, destacando o potencial de seus produtos.

 

DSC01140Mas,  de todas estas personagens do universo das feiras paulistanas, Kyoshi Suzuki é a maior surpresa. Do alto de seus 88 anos de idade, ele comanda uma singela barraquinha na Feira da Liberdade, aos domingos. Enquanto transeuntes podem passear pelas casas orientais ou decidir degustar alguma comida típica nas tendas ao lado, Kyoshi é sempre simpático e cumprimenta todos que passam por ele.

Atrás de uma pilha de limpadores orientais de orelha, língua e nariz, ele vai à feira todos os domingos sem falta. Reclama da intromissão do único filho, que não  permite que trabalhe mais dias. Kyoshi é um exímio contador de histórias, e logo começa a falar sobre a sua infância, quando chegou do Japão aos 14 anos, e o sorfrimento na adaptação ao País.  Ainda assim, ele só sabe sorrir.

  


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